HENRY GUILHERME FERREIRA ANDRADE[1]
(orientador)
RESUMO: A sociedade é dinâmica e o direito fica sempre na busca de alcançar essa dinamicidade, e o mercado, com o direito empresarial, fica sempre nessa busca de objetivar e acompanhar essas mudanças constantes. Dessa forma este trabalho foi desenvolvido com uso da metodologia de revisão bibliográfica e com bases qualitativas e descritivas analisar em um contexto histórico o surgimento da desconsideração da personalidade jurídica balizada pelo princípio da autonomia patrimonial, assim ocorrendo a separação de bens da empresa e de seus proprietários. Além de se verificar a introdução desse instituto no Brasil e sua evolução dentro do cenário jurídico brasileiro com a distinção da Teoria Maior e da Teoria Menor, onde houve a necessidade de uma regulamentação que retirasse eventualmente essa autonomia patrimonial para sanar vícios e fraudes. Com isso, a desconsideração da personalidade jurídica traz uma funcionalidade do direito empresarial de inibir fraudes no mercado, e, percebeu-se, como a mudança no código civil pela lei n°13.874/19 vem otimizando a aplicabilidade desse instituto.
Palavras–Chave: Fraudes. Personalidade Jurídica, Desconsideração da Personalide Jurídica, Código Civil, Teoria Maior e Teoria Menor.
ABSTRACT: Society is dynamic and the law is always looking to achieve this dynamics and the market with commercial law is always looking to objectify and follow these constant changes. In this way, the work developed using the methodology of bibliographic review and with qualitative and descriptive bases to analyze in a historical context the emergence of the disregard of legal personality marked by the principle of patrimonial autonomy, thus occurring the separation of the company's assets and their owners. And the introduction of this institute in Brazil and its evolution within the Brazilian legal scenario with the distinction of Major Theory and Minor Theory. Where there was a need for a regulation that eventually removed this patrimonial autonomy to remedy vices and fraud, with this the disregard of legal personality brings a functionality of business law to inhibit fraud in the market, and as the change in the civil code by law n°13.874 /19 has thus been optimizing the applicability of this institute.
Keywords: Frauds. Legal Personality, Disregard of Legal Personality, Civil Code, Major Theory and Minor Theory.
1 INTRODUÇÃO
A criação da pessoa jurídica sem dúvida foi uma das principais formas de alavancar o desenvolvimento da economia e do mercado, mantendo assim uma maior segurança para os empreendedores. Dessa forma o trabalho buscou no primeiro capitulo demonstrar em um contexto histórico como foi o surgimento da desconsideração da personalidade jurídica, o primeiro episódio de sua aplicação, como isso mudou a interpretação do judiciário e sua propagação no universo das leis. Sendo abordado a chegada no Brasil e como foi seu aprimoramento no cenário jurídico brasileiro.
No segundo capitulo, foi abordado as formas de aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica na justiça brasileira, buscando a explicação do entendimento de suas teorias, divididas em Teoria Maior e Teoria Menor. Onde se tem na doutrina e legislação a explicação de como será empregado no caso concreto, assim tendo a divisão de acordo com relação jurídica entre as partes. Sendo a Teoria Maior aplicada de forma mais abrangente, balizada no direito Civil e no Código Civil de 2002 e a Teoria Menor sendo aplicada de forma mais específica, estando presente mais no Direito do Consumidor, Direito do Trabalho e Direito Ambiental.
Por fim passar dos tempos a desconsideração da personalidade jurídica foi se modernizando e se adequando com as mudanças do mercado e da sociedade. Assim o legislador na busca da otimização da aplicação da lei de forma isonômica para todos. Isso se nota na mudança recente ocorrida pela lei n° 13.874/2019, conhecida popularmente como lei da liberdade econômica. Onde no terceiro capitulo foi analisado e identificado em julgados mudanças no entendimento. Assim trazendo uma maior clareza no texto da lei e buscando uma interpretação una nos julgados.
A realização deste trabalho deu-se por meio de metodologia de pesquisa de revisão bibliográfica. Seguindo uma base qualitativa e descritiva com pesquisas realizadas em artigos, livros, fóruns e sites especializados e com boa reputação. Com textos publicados em períodos menores que dez anos, e a literatura de autores com nomes consagrados em obras relacionados com o assunto. Em buscas realizadas com palavras chaves como, Desconsideração da Personalidade Jurídica, fraudes e erros, Teoria menor e Teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, Inibição de erros e fraudes.
2. HISTÓRIA DA PERSONALIDADE JURÍDICA E SUA DESCONSIDERAÇÃO.
A personalidade jurídica tem um papel fundamental para a realização de atividades empresariais onde pode ser realizada de forma individual ou de forma societária, dessa forma tem a possibilidade da separação patrimonial da empresa e dos empresários/administradores. Tendo assim sua característica mais relevante da personalidade jurídica é capacidade de obter direitos e obrigações.
Com isso a personalidade jurídica é a sustentação para minimizar possíveis perdas de capital, pois a separação patrimonial preserva em uma possível falência os bens privados do empresário. Todavia essa separação nem sempre é absoluta, pois pode ser caracterizado fatores para a sua separação assim ocasionando a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, quando ocorre fraudes e confusão patrimonial.
2.1 Origem da personalidade jurídica
A personalidade jurídica de acordo com Caio Pereira, (2000, v. 1, p. 141) é a “aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações”. Dessa forma nota-se que é uma forma de resguardar a pessoal natural. “A personalidade jurídica de uma sociedade se inicia com a constituição da sociedade, a qual pressupõe alguns elementos”, (TOMAZETTE, 2017). Sendo assim existe várias teorias que discutem tal assunto sobre a personalidade jurídica, onde buscar a separação e preservação dos bens entre a empresa e o empresário, dando ao empresário uma maior segurança no seu investimento.
Nessa linha de raciocínio, Tomazzete (2017, apud FERRARA, 1921, p. 598) explica que a pessoa jurídica nada mais é do que “uma armadura jurídica para realizar de modo mais adequado os interesses dos homens”. Podemos assim definir que ela está em uso para o homem como uma personificação de uma ideia humana, mas sem um ser físico, pois pode ocorrer a personalidade sem a presença de um corpo.
Todavia a personalidade jurídica não tem absoluta proteção, pois assim como previne o patrimônio do empresário também pode ser usado como meio de ações ilícitas para trazer prejuízos a credores e a sociedade em geral. Com isso o instituto da desconsideração da personalidade jurídica foi a forma encontrada de inibir tais ações de sociedades empresarias que usam a personificação jurídica para impor prejuízos aos credores.
2.2 Primeiro caso a ser usado a desconsideração da personalidade jurídica
A desconsideração da personalidade jurídica iniciou-se com um caso emblemático na Inglaterra no caso de Salomon VS. Salomon & Co. Onde se foi apreciado pela House of Lords em 1897, Salomon teve dificuldades junto a sua empresa, e com isso começou a não satisfazer as obrigações com os credores, levando a empresa a liquidação, toda via os bens apurados na liquidação não foram suficientes para quitar o montante das dívidas ficando assim em débitos ainda com alguns credores.
O juízo de primeira instancia e a corte de Apelação trouxeram a condenação que os bens pessoais de Salomon iriam sanar os débitos dos credores de sua companhia, entretanto a House of Lords absorveu Salomon, configurando-se, assim, como o primeiro caso que se pleiteou a desconsideração da personalidade jurídica.
Todavia, mesmo havendo a reforma da decisão inicial, ali no caso concreto abriu-se precedente para que amadurecesse uma nova teoria crescente, essa teoria que vinha a ser chamada de desconsideração da personalidade jurídica, onde na Alemanha o professor Rolf Serick iria aprimorar e difundir sistematicamente essa nova teoria. e que de acordo com Pedro Lenza foi "Rubens Requião entre nós quem primeiro divulgou as ideias de Serick" (CHAGAS, 2022, p.930), assim difundindo as percepções e ideias no Brasil.
2.3 A desconsideração da personalidade jurídica no Brasil.
No Brasil a desconsideração da personalidade jurídica deu-se inicialmente pelos estudos do professor Rubens Requião traz que:
Uma doutrina que visa, em certos casos, a desconsiderar a personalidade jurídica, isto é, não considerar os efeitos da "personificação, para atingir a responsabilidade dos sócios. Por isso também é conhecida por doutrina da penetração. Esboçada nas jurisprudências inglesa e norte-americana, é conhecida no direito comercial como a doutrina do Disregard of Legal Entity" (REQUIÃO, 2015, p.1013,1014).
De forma tardia foi sua implementação no ordenamento jurídico brasileiro, inserida no Código de Defesa do Consumido apenas em 1990, na lei n° 8.078, especificamente no artigo 28 dessa lei. Assim amadurecendo periodicamente até a chegada da Lei n° 10.406 de 10 de janeiro de 2002, o Código Civil brasileiro, onde no seu artigo 50 trouxe o texto que iria balizar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica e em 2019, com a mudança ocorrida pela lei n° 13.874/19, conhecida como lei da liberdade econômica, definiu os critérios para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.
3 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E SUA APLICABILIDADE
A desconsideração da personalidade jurídica tem papel fundamental como controle e inibição do uso incorreto do princípio da autonomia patrimonial. Dessa forma, a sua aplicabilidade deve ser pautada em fundamentos legais e seguindo critérios taxativos em lei. Onde Marllon Tomazzete (2017), traz que “a importância do princípio da autonomia patrimonial nos leva, todavia, a aplicar a desconsideração com cautela, apenas em casos excepcionais, atendidos determinados requisitos, vale dizer, a regra é que prevaleça o princípio da autonomia patrimonial”.
E com isso, Flávio Tartuce, traz que:
A regra é de que a responsabilidade dos sócios em relação às dívidas sociais seja sempre subsidiária, ou seja, primeiro exaure-se o patrimônio da pessoa jurídica para depois, e desde que o tipo societário adotado permita, os bens particulares dos sócios ou componentes da pessoa jurídica serem executados (TARTUCE,2017).
No ordenamento jurídico brasileiro se encontra em leis diferentes e com aplicabilidade diferente, sendo que no Código Civil em seu artigo 50 e incisos traz de forma abrangente a desconsideração da personalidade jurídica, onde se analise no caso concreto, sinaliza-se qual das formas irá se adequar a desconsideração da personalidade jurídica. Nesse sentido temos que pode ser aplicada de acordo com a Teoria Maior e a Teoria Menor de forma incidental, onde o Código de Processo Civil irá balizar a forma de aplicação.
3.1 Teoria Maior
A Teoria Maior tem como balizador o Código Civil de 2002 a lei n° 10.406/02, com isso tem que ocorrer não apenas o descumprimento da obrigação, esse descumprimento deve ocorrer e função de um desvio da personalidade jurídica. Dessa forma a teoria maior de subdivide em duas, a Teoria Maior objetiva e a Teoria Maior subjetiva.
Quando se traz a teoria maior objetiva que deve ocorrer de forma explicita a comprovação que houve um desvio do uso da personalidade jurídica, assim em acordo com o artigo 50 do CC/2002, com a nítida presença da confusão patrimonial e desvio de finalidade. Com isso são pressupostos legais para a incidência da desconsideração da personalidade jurídica, a confusão patrimonial e a inexistência de separação clara entre o patrimônio da pessoa jurídica e o patrimônio dos sócios ou administradores, (TOMAZETTI, 2017, p 385).
E na Teoria Maior subjetiva, quando se trata pelo fato de se comprovar não apenas os fatos de desvio de finalidade e confusão patrimonial, mas tem que ocorrer a vontade de lesar o credor, assim ocorrendo a prova da fraude e da atuação dolosa dos sócios em prejuízo dos credores da sociedade. Assim, adotava-se a concepção subjetivista que exigia a prova da fraude como elemento imprescindível à sua aplicação, era preciso prova inequívoca de uma intenção de prejudicar credores, conforme defendia Rolf Serick. (RAMOS, 2011, p. 403). Assim acrescentando mais um elemento para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.
3.2 Teoria Menor
A teoria menor tem como carro chefe a relação de consumo, ou seja a aplicabilidade do código de defesa do consumidor, onde trata de apenas ocorrência da insolvência da obrigação para que seja aplicada o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, basta a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para a aplicação da desconsideração e atingimento do patrimônio pessoal dos sócios, independentemente da existência de qualquer ato fraudulento como o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial. (ANDRIGHI, 2003, p. 247). Sendo assim aplicada de forma que o risco empresarial não seja enfrentado por quem contratou.
Todavia não se aplica em toda relação comercial, tem um critério a ser levado em consideração, uma vez que deve haver uma disparidade de forças, assim podendo ocasionar a aplicação da teoria menor. Onde deve observar a presença de uma relação não negociável, assim os credores não negociam seus créditos em igualdade de condições, como por exemplo, os trabalhadores e os consumidores, aplica-se a desconsideração diante do mero inadimplemento da pessoa jurídica, desprestigiando o princípio da autonomia patrimonial. (COELHO, 2007, p. 20).
Ainda se tem que a Teoria menor pode ser é aplicada em outras áreas do direito, como por exemplo no Direito Trabalhista e no Direito Ambiental, onde novamente pelo fato da ocorrência de prejuízo de outrem de forma dolosa pode ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica para sanar o prejuízo causado.
A desconsideração da personalidade jurídica presente no Direito do Trabalho se aplica de acordo com art. 2º, parágrafo 2º da CLT, que traz em seu texto
Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.
Dessa forma a doutrina interpreta uma forma de desconsideração. E ainda nas hipóteses de fraudes e abusos previstas nos artigos 9º, 10 e 448 da CLT. Assim a aplicação da CLT vinculado com o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil Brasileiro.
Já no Direito Ambiental traz sua aplicabilidade quando ocorre um dano Ambiental a desconsideração da personalidade jurídica encontra previsão no artigo 4º da Lei 9605/98, que assim dispõe, poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
Dessa forma pelo fato de prejuízos causados ao Meio Ambiente e a causadora do prejuízo sendo uma pessoa jurídica e não tendo capital para sanar o prejuízo causado, o patrimônio dos sócios ou administradores serão afetados para poder ocorrer o ressarcimento e custos para voltar a qualidade do meio ambiente.
4 AS CAUSAS PARA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA APÓS A LEI N° 13.874 DE 2019.
O crescimento econômico gira em torno do capital investido por diversos empreendedores, com isso mantem o mercado aquecido com a produção em alta. Dessa forma e importante que se tenha a segurança e a distinção clara entre os bens da empresa e do empresário, a personalidade jurídica traz essa segurança. Assim "a pessoa jurídica é um instrumento legítimo de segregação patrimonial e, a depender do tipo societário, limitação de riscos, ou seja, os sócios que constituem uma sociedade estão, de modo legítimo" (TOMAZETTE, 2022, p.557). Nessa linha de pensamento a lei n° 13.879/19 inserindo o artigo 49-A no código civil com o seguinte texto:
Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.
Nesse sentido a desconsideração da personalidade jurídica em contra partida limita essa segurança, uma vez que a inexistência dessa divisão clara de bens, obrigações que por ora é da empresa poderá ser cumprida pelo capital dos administradores da empresa.
Sendo que a critérios no sistema jurídica brasileiro na aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica tinha uma maior fundamentação no Código Civil em seu artigo 50. No texto do artigo 50 antes da mudança advinda pela lei n° 13.879/19 era comum ter interpretações de acordo com o julgador do caso, não sendo comum entre todos a mesma linha de raciocínio, havendo lacunas em decisões proferidas.
Onde se tem também como mudança principal a retirada do dolo como um dos requisitos na aplicação da desconsideração da personalidade jurídica e o possível acarretamento de responsabilidade dos administradores e sócios da pessoa jurídica. Bastando assim a ocorrência que da ação culposa que caracteriza o abuso de personalidade jurídica, balizando-se no desvio de finalidade e confusão patrimonial, com descrições claras no artigo 50 e nos incisos do Código Civil de 2002, na aplicação da teoria Maior.
4.1 A mudança da lei e sua nova intepretação
Com a lei n° 13.879 de 2019, chamada popularmente como lei da liberdade econômica, pode assim ter uma interpretação mais linear e adequada de quem pode e dever ser alcançado pela desconsideração da personalidade jurídica e de quais ações ou omissões foram tomadas para que se incida esse instituto. Trazendo assim uma segurança judicial, pois ações de desconsideração terá efeitos apenas aos que causaram, dessa forma preservado o capital individual do socio não causador do ato.
No Artigo 50 em seu caput da lei n° 10.406/02 traz a seguinte redação:
Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
Com isso temos que a lei trouxe a separação de patrimônios, uma vez que o causador do ato abusivo do uso da personalidade jurídica, poderá ser responsabilizada mediante o ataque pessoal de seus bens, assim preservando os sócios não causadores. E dessa forma a Lei de Liberdade Econômica traz uma inovação de controle com segurança nas relações. Essa nova mudança com o acréscimo de uma interpretação mais profunda entre a separação dos bens dos sócios da pessoa jurídica.
Outra mudança expressiva foi em seu parágrafo 1° do artigo 50 do Código Civil, retirando o dolo como requisito, e com isso dando critérios para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, “Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza”, (BRASIL,2002). Sendo o rito regulado pelo CPC/15.
Ainda na existência de outros requisitos, que serão tratados nos posteriores parágrafos, dentre eles o parágrafo 2°, que em seu texto busca trazer uma definição do que é a confusão patrimonial, que antes da mudança pela lei n° 13.879/19 tinha como a interpretação sobre o que considerar confusão patrimonial ficava a cargo subjetivo do magistrado. Assim o parágrafo 2° traz:
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
Com isso, se tem um explicita e mais clara definição de como deve ser interpretado a confusão patrimonial, em seu inciso I, se tem caracterizado onde a repetitividade na relação e movimentação de obrigações entre a empresa e sócios ou administradores da empresa. Nesse pensamento traz que, "todavia, o dispositivo exige expressamente que se trate de um cumprimento repetitivo, isto é, do cumprimento de várias obrigações, e não de uma obrigação isolada." (TOMAZETTE, 2022, p.564).
Ainda se tem que no inciso II, a percepção de quem em situações onde existe transferência de valores do capital da empresa para os sócios ou administradores sem a devida contraprestação é uma forma de caracterização da confusão patrimonial, nesse cenário e importante levar em consideração o final do inciso II, que trata que o valor deve ser significantes, sendo que pode ocorrer transferências de valores para não ter uma insolvência entre as partes, mas desde que não caracterize uma confusão patrimonial.
Todavia o legislador pecou no inciso III, ao colocar o seguinte texto, “outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial” (BRASIL,2002). Assim abrindo margem para intepretações diversas na aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.
A lei n° 13.879/19, inserindo o parágrafo 3° consolida de forma normativa a desconsideração inversa da personalidade jurídica, ora que já se tinha uma jurisprudência bastante solida e aplicada de forma pacífica. Com situações que são aplicáveis nos parágrafos 1° e 2°, são aplicáveis de forma inversa quando ocorre confusão ou tentativa de fraude para esconder patrimônio de sócios ou administradores sobre o guarda-chuva da personificação jurídica da empresa. Quando se passa pela leitura do parágrafo 4°, observa que o legislador normatizou o entendimento de quando e com deve ser aplicado a desconsideração da personalidade jurídica, pois traz o seguinte texto, “a mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica”, dessa forma pacifica entendimento diversos de julgados na hora da aplicação da desconsideração.
E seguindo a linha de pacificação de entendimento sobre a aplicação do instituto da desconsideração o legislador trouxe no parágrafo 5°, “Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica”. Dessa forma afunilando interpretações onde ocorra situações descritas no texto da lei não venha configurar desvio de finalidade.
4.3 Os reflexos da mudança da lei de liberdade econômica n° 13.879/19 nas decisões recentes.
Com a mudança da lei, nota-se uma mudança expressiva nos julgados de diversos juízos pelo Brasil, e com isso uma jurisprudência mais alinhada com interpretações que cominam no mesmo entendimento. Como isso uma comparação de julgados pré lei 13.879/19 e pós lei, se observa uma maior segurança jurídica pois ocorre uma pacificação de como deve ser o entendimento e interpretação do texto lei.
Temos que o Superior Tribunal de Justiça em alguns julgados já tinham em seus julgados observando e aplicando de forma interpretativa da lei que vinha a ser melhor exemplificado na mudança da lei em 2019. Em seu entendimento no EREsp 1.306.553/SC, onde:
"A Segunda Seção do STJ firmou orientação nesse sentido, afirmando que: “encerramento das atividades ou dissolução, ainda que irregulares, da sociedade não são causas, por si só, para a desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do Código Civil”" (TOMAZETTE, 2022, p.559).
Sinalizado assim que nessa situação descrita não incide a desconsideração da personalidade jurídica, entretanto quando os sócios administradores encerram a empresa com débitos a credores, e após isso abre uma nova empresa com as mesmas características caracterizando assim má-fé. Entretanto não obtinha um balizamento nas decisões do meio jurídico.
Outros julgados vêm seguindo esse entendimento em relação a aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica, com isso trazendo uma maior segurança por ambas as partes, com isso inibindo fraudes. Como se tem por exemplo o julgado:
Processual civil. embargos de declaração. omissão. propriedade industrial. embargos de terceiro. ilegitimidade. rediscussão. honorários recursais. cabimento. opõem embargos de declaração as partes apelante e apelada contra acórdão que negou provimento à apelação interposta contra sentença proferida em sede de cumprimento do julgado, objetivando, através de embargos de terceiro, desconstituir a penhora realizada nos autos do processo xxxxx-79.2009.4.02.5101, na conta corrente da apelante, no valor de r$ 2.426,20, que julgou extinto o processo, sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 485, VI, do CPC, tendo em vista a ilegitimidade ativa ad causam, ante a qualidade da embargante como única sócia da empresa devedora. o v. acórdão é claro na sua conclusão, com base na legislação e jurisprudência sobre o tema, no sentido de que em se tratando de hipótese de desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica que figura como executada, a constrição judicial passa a recair sobre bens do sócio, no caso, a única sócia, a qual não figurou originalmente como parte do processo, mas que foi efetivamente citada, uma vez deferido o pedido de desconsideração da personalidade jurídica de sua empresa Easy Tec Comércio Eireli. o sócio prejudicado pela constrição poderá impugná-la pelos meios tradicionais para se opor à execução, nos próprios autos, mas não como mero terceiro, tendo em vista que a desconsideração da personalidade jurídica o tornou parte do processo, ao menos da fase de cumprimento de sentença. inteligência do artigo 674, do CPC. no que tange à ausência de fixação dos honorários recursais e aplicação do artigo 85, do CPC, tem razão a parte apelada, uma vez cabível a majoração dos honorários sucumbenciais. 1 desprovido os embargos de declaração da apelante, por inexistência na decisão recorrida de qualquer dos alegados vícios que justifiquem o seu atendimento, e provimento aos embargos opostos pela apelada, para sanar a omissão no julgado, no sentido de majorar os honorários de sucumbência devidos pela apelante em 1% sobre o valor atualizado da causa, com base no § 11 do art. 85 do CPC/2015. (trf-2 - ac: xxxxx20194025101 RJ xxxxx-48.2019.4.02.5101, relator: Andrea Daquer Barsotti, data de julgamento: 02/12/2020, 1ª turma especializada, data de publicação: 07/12/2020)
Com isso se tem que aplicando o artigo 50, Caput do CC/02, pois mostra que apenas sócios e administradores que participaram das ações que culminaram na aplicação do artigo 50 do CC/02, assim quem se sentir lesado pode impugnar em juízo.
Outro importante julgado é do agravo interno no STJ onde traz que:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CONFUSÃO PATRIMONIAL. SÚMULA 7/STJ.
O entendimento desta Corte é no sentido de ser possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa para responder por dívidas de outra, nas hipóteses em que reconhecida a existência de grupo econômico e verificada confusão patrimonial entre as empresas. 2 Inviabilidade de alterar a conclusão do aresto recorrido para passar a afirmar que estão ausentes os requisitos para desconsideração da personalidade jurídica, pois demanda a incursão na seara fático probatória, atividade não realizável nesta via especial. Incidência da súmula 7/STJ. 3. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.999.314/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 9/9/2022.)
Com isso nota-se que o Superior Tribunal de Justiça vem mantendo o entendimento em que se encontra no artigo 50, onde, caracterizada a confusão patrimonial entre as empresas, incide-se a desconsideração da personalidade jurídica.
Outros tribunais seguem o mesmo entendimento, como constatado no julgado do TJDFT, onde traz que:
A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica deve ser excepcional, sendo a regra a preservação da autonomia patrimonial, devendo ser deferida quando presentes os requisitos do Art. 50 do Código Civil. 2. O ordenamento jurídico adotou a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica a qual exige prova do desvio de finalidade da sociedade ou a confusão patrimonial entre o patrimônio dos sócios e o da sociedade empresária.” Acórdão 1369154, 07090171820218070000, Relator: ROBERTO FREITAS, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 31/8/2021, publicado no DJE: 17/9/2021.
Diferentemente temos julgado que opta pela desconsideração não havendo tal distinção de sócios que causaram ou não a incidência da desconsideração da personalidade jurídica.
Agravo de instrumento. Ação monitória. Fase de execução. Desconsideração da pessoa jurídica. Art. 50 do código civil. Necessidade da efetiva comprovação do desvio de finalidade ou confusão patrimonial. O fato de a ré/executada, ora agravante, não ter sido localizada no endereço indicado no contrato social arquivado na junta comercial, por si só, não é motivo a embasar a incidência da excepcional regra da desconsideração da personalidade jurídica. Ausência de demonstração efetiva de fraude ou confusão patrimonial, requisitos necessários para a desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do art. 50 do código civil. A falta de bens da empresa, necessários à satisfação das dívidas contraídas pela sociedade, consiste, a rigor, em pressuposto para a decretação da falência e não para a desconsideração da personalidade jurídica. Precedente do STJ. Provimento ao recurso, na forma do art. 557, § 1º-a, do CPC, para reformar a decisão do juízo, afastando-se a desconsideração da personalidade jurídica da empresa agravante. (TJ-RJ - AI: xxxxx20128190000 Rio De Janeiro Madureira Regional 4 Vara Civel, Relator: Helena Candida Lisboa Gaede, data de julgamento: 06/12/2012, Décima Oitava Câmara Cível, Data De Publicação: 11/12/2012).
Dessa forma nota-se que a Lei n° 13.874/19 obteve um alinhamento na interpretação e resolução de causas que versam sobre a desconsideração da personalidade jurídica, assim trazendo uma maior segurança para ambas as partes, tirando do juízo uma interpretação adversa sobre o que realmente está na lei.
CONCLUSÃO
Concluindo os levantamentos desse artigo, onde se buscou analisar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, é notório que teve uma grande contribuição para a aplicação da justiça de forma a inibir que seja usada para aplicação de fraudes assim causado prejuízos a sociedade em geral. A desconsideração da personalidade jurídica é um dos meios onde se pode garantir que a parte as partes terão o seu direito garantido.
Onde se pode verificar a crescente utilização do incidente de desconsideração da personalidade jurídica em diversas searas do sistema jurídico brasileiro como no Direito Trabalho, Direito de Família, Direito Civil, Direito Ambiental e Direito do Consumidor, sendo usado de formas diversas e com aplicação da teoria maior e teoria menor. Nesse sentindo a desconsideração da personalidade jurídica é um instituto que fomenta o ordenamento jurídico uma forma em que as parte envolvidas tenham seu direito exercido.
Assim na mudança ocorrido no Código Civil com a lei n° 13.874/2019, dada como o nome de Lei da Liberdade Econômica, traz como relevância a normatização e direcionamento do entendimento da aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica e uma normatização mais clara. Observando assim julgados anteriores a lei e posteriores a lei, nota-se a redução da discricionaridade de interpretação do juízo e buscando uma maior conformidade nas sentenças. reduzindo ao máximo a possibilidade de ocorrência de fraudes, erros e confusão patrimonial sem a devida punição. Dessa forma, em concordância com os objetivos da Lei da Liberdade Econômica em relação a desconsideração da personalidade jurídica, em prol de ambos, na autonomia patrimonial e na inibição de fraudes com uso da personalidade jurídica e de forma a garantir maior segurança jurídica às relações econômicas e na aplicação da justiça.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp n. 1.999.314/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 9/9/2022. – Distrito Federal. https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp <acessado, 18/09/2022>.
CHAGAS, E. E. D.; LENZA, P. Direito Empresarial. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2022. E-book.
COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de Direito Comercial. 10ª. Ed. São Paulo. Saraiva. 2007
Forense, 2000, v. 1, p. 141.
Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm>.Acesso 29/08/2022
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TJ-RJ - AI: xxxxx20128190000 Rio De Janeiro Madureira Regional 4 Vara Cível, Relator: Helena Candida Lisboa Gaede, data de julgamento: 06/12/2012, Décima Oitava Câmara Cível, Data De Publicação: 11/12/2012). Disponível em: < https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-rj/386289182 >. Acesso em: 24/09/2022.
TOMAZETTE, M. Teoria geral e direito societário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2022. E-book.
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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL -2. (trf-2 - ac: xxxxx20194025101 RJ xxxxx-48.2019.4.02.5101, relator: Andrea Daquer Barsotti, data de julgamento: 02/12/2020, 1ª turma especializada, data de publicação: 07/12/2020). https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trf-2/1212029720 < acessado em, 22/09/2022>.
NOTA:
[1] Professor Orientador. Especialista em Direito Civil e Empresarial.
Acadêmico do curso de Bacharelado em DIREITO do Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão – IESMA/Unisulma.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Bartolomeu Klinsmann Costa da. A desconsideração da personalidade jurídica como instrumento jurídico para inibição de fraudes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 out 2022, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /59695/a-desconsiderao-da-personalidade-jurdica-como-instrumento-jurdico-para-inibio-de-fraudes. Acesso em: 27 dez 2024.
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